terça-feira, 18 de novembro de 2008

O espaço de João - Lírico Etílico*

Após terminar mais um dia exausto em seu trabalho como auxiliar de serviços gerais no Bingo Arpoador, Tião espera impaciente uma condução para voltar para casa. Ele avista o ônibus 177, está lotado, mas ele levanta o braço para o motorista parar, não parou. Tião está cansado, resolve sentar-se à grama que fica perto do ponto de ônibus, o segurança do prédio perto do ponto de ônibus vai a direção de Tião:
- Com licença.
- Oi.
- Não pode deitar na grama não!
- Por que?
- ordens do sindico.
- Mas a grama num tá na rua?
- Mas a grama é do prédio.
Tião ficou esperando o ônibus em pé, com suas pernas quase dobrando de tão cansadas. Finalmente vem a condução, uma mancha negra era o sinal de que esse ônibus está cheio, ele estica o pescoço inclinando o corpo para o lado, os olhos avermelhados abriram-se, lá vem ele, um pouco de lado, o braço levanta, outras pessoas repetem o gesto, em fim ele pára, mas ninguém consegue entrar, está muito cheio. Uma Kombi fazendo lotação vinha logo atrás e parou, havia uma vaga, no porta-malas do carro. Tião foi.
Após sentir-se enlatado Tião chega à Rocinha, olha para a favela, a sua frente está a entrada principal, e começa a subir.
Tião chega em seu quarto alugado, que também é cozinha e onde tem um banheiro, enfia a chave na maçaneta da porta, seu vizinho se aproxima e o aborda para informar do problema ocorrido na rede de esgoto que passa por baixo da casa de Tião, e para concertar era preciso quebrar o chão:
- Não se preocupe Tião, eu vou quebrar o chão, concertar o cano e refazer tudo.
- Tudo bem Pacheco, pode fazer o concerto do senhor.
- Obrigado. Vou em casa pegar as ferramentas e já volto.
Tião enfia a chave na maçaneta, roda a chave duas vezes com a mão esquerda e depois empurra aporta do quarto com a mão direita, vai até a única janela existente, puxa a cortina para o lado, e vê a vizinha fazendo a janta:
- Boa noite Tião
- Boa noite Margarida
- Tião, hoje pela manhã tava fazendo o almoço e percebi que não tinha sal, como não tinha dinheiro pra comprar porque meu marido não deixou, eu estiquei a mão e peguei um punhado de sal, tudo bem?
- Tudo bem Margarida, quando quiser é só...
A conversa é interrompida com um forte barulho juntamente de um tremor no chão, Tião olha para traz e vê Pacheco quebrando o chão a marretadas.
Tião resolve tomar banho, vai a laje para pegar uma roupa e quase é derrubado pelas crianças que brincavam de pique esconde nas lajes. Ele desce e o barulho das marretadas continuava, e se prolongou até às dez da noite. Na hora de se deitar, Tião ainda escutava o som das marretadas.
Desceu da laje, pisou numa possa d’água e entrou no banheiro, tirou a roupa e escutou um estrondo vindo da parede. Era gol do Flamengo, o vizinho comemora mais que todos os moradores reunidos.
Pacheco resolve parar de trabalhar e continuar amanhã. Finalmente Tião consegue tomar banho. Agora é só relaxar. Na madrugada, começa: Bum, bum, bum...bum, é o som alto na casa ao lado, em comemoração à vitória do Flamengo. Tião põe o travesseiro de forma a cobri-los, mas o som é alto. Está escuro mas ele vê o buraco feito no chão pelo Pacheco e resolve entrar, não consegue devido à encanação que ainda não foi retirada.

* É poeta, contista, e tudo aquilo que acreditam ser coisas de vagabundo.

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